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Entrevista Rádio MEC - Aglaia Peltier

AGLAIA: Áquila, você tem uma formação européia e também a sua arte tem a ver muito com o Brasil. Como é que você sente esta exposição agora?

LUIZ AQUILA: Acho que eu não tenho uma formação européia, eu tenho uma formação brasileira, quer dizer, quando eu viajei já estava de olho feito, a viagem me valeu como uma viagem vale para todo mundo. Eu creio que viajar é importante pois você toma contato com coisas que não se poderia tomar daqui, mas eu não sinto que o contato direto com a Europa tenha sido determinante na minha formação; talvez até o contato indireto com a Europa através de coisas que aconteceram no Brasil tenha sido mais importante, ou talvez eu tenha ido à Europa mais para constatar meus interesses do que para realmente criar interesses novos.O pontapé inicial é brasileiro, aliás, o Brasil, é mestre em pontapé.

AGLAIA: Frederico, o que você poderia nos falar sobre a trajetória do Áquila, já que você o acompanha desde o início de sua carreira?

FREDERICO: A partir de um certo momento eu diria que uma das referências iniciais é Brasília, onde realmente, ele tinha uma produção mais construtiva e que depois desse processo, sem deixar de existir hoje, se tornou mais aberto e com um toque de emocionalidade maior.,Mas eu gostaria de destacar um ponto significativo que é independente das qualidades do trabalho do Aquila, que nós consumidores e críticos reconhecemos. Ele tem um papel preponderante, uma espécie de repositório da boa pintura, no sentido que ele foi um defensor intransigente e enérgico da pintura num momento em que ela passava por um descrédito, por uma campanha assinada contra ela. Dizia-se que a pintura estava morta, que a pintura esgotara o seu processo. O Áquila, que sempre foi um pintor, apesar dos cursos de gravura e outras coisas que ele fez na Europa, representou exata,ente esse território de resistência da pintura,sobretudo nos anos 70, que foram anos marcados por um discurso extremamente autoritário do ponto de vista da crítica de arte e uma década marcada por uma arte extremamente hermética, difícil, que é chamada Arte Conceitual.Foi um hermetismo tão acentuado que afastou uma boa parte do público das grandes exposições, das mega-exposições. O Áquila, então, tem o mérito de representar, através de sua liderança e com alguns outros colegas como Watson, Nicholson, Kupermann, essa resistência da pintura. Nesse momento, há outra vez um processo de desgaste da pintura. A década de 80 foi marcada inicialmente por uma retomada do gesto, da cor, de formas neofigurativas ou não-informais e a década se fecha com o prestígio crescente da escultura, o que se percebe nas últimas grandes exposições e em certas posições de organismos oficiais marcadamente pós-escultura. Até mesmo os pintores da Geração 80 em grande parte debandaram para escultura, e o Áquila continua aí firme defendendo a pintura e esta exposição fundamentalmente é o discurso dele, o de sempre, mas com uma carga de vibração que é interessante para entrar em contraposição com essas tendências que outra vez se voltam a falar no neoconstrutivo, neoconceitual.

AGLAIA: Luiz Áquila, você foi vizinho da Djanira, conviveu com o Guignard e foi aluno de Aluísio Carvão. Eles formaram o seu olhar?

LUIZ AQUILA: Eu fui vizinho da Djanira muitos anos, e convivi com Guignard quando criança, ele era amigo do meu pai. Com a Djanira já criança-adolescente, ela era vizinha quase de parede em Santa Teresa. Djanira foi a pintora dada pela minha família, o contato próximo com o processo se dando, porque ela tinha uma garagem, um atelier que era um espaço meio subterrâneo, e tinha uma janela basculante, que era ótimo para criança olhar, então era uma coisa que eu sempre estava ali acompanhando e tal. E as conversas todas que se davam em torno de arte. O Carvão, eu acho que ele é o meu pintor, ele é o primeiro artista que eu vi com meus próprios olhos.

AGLAIA: Aliás, tem que se dizer aqui quem é seu pai, o arquiteto Alcides da Rocha Miranda.

LUIZ AQUILA: Pintor e ótimo desenhista!

AGLAIA: Você foi criado dentro desse mundo já em contato com as artes, não é?

LUIZ AQUILA: Fui. Eu tive a sorte de nascer neste meio, não só nascer neste meio, mas ter um pai professor. Meu pai tinha esse gosto de passar as coisas.

FREDERICO: Você foi duplamente reprimido, pelo pai e pelo professor?

LUIZ AQUILA: Não, inclusive meu pai tinha muito medo que eu fosse pintor, havia uma preocupação...

FREDERICO: Ia morrer de fome?

LUIZ AQUILA: É, eu ia morrer de fome... Ao mesmo tempo, tinha um prazer nele ao me ver e me passar isso,junto com o medo, aí entra a figura do profissional, pai, com medo do futuro do filho. Mas foi uma chance que eu tive de muito cedo ter contato com a arte brasileira que é uma coisa rara porque a arte brasileira geralmente está em cima dos sofás, não nos museus. Então eu tive a possibilidade de ver a arte brasileira. Eu acho que vi mais arte brasileira do que muitos colegas. E eu gosto de arte brasileira, acho que ela tem articulações muito estranhas, uma bizarria que me agrada muito.

AGLAIA: As suas cores têm a ver com o nosso país?

LUIZ AQUILA: Olha, eu acho que não. Pode ter a ver com a vontade que eu tenho em relação ao Brasil, o interesse que eu tenho aqui. Eu não tenho vergonha de viver no Brasil, apesar dos problemas que todos os brasileiros têm. Como artista, o Brasil é um país onde eu gosto de viver e acho estimulante. Só que houve, e ainda há no Brasil um problema com a cor, que eu não tenho. Não é que a minha cor seja brasileira, eu é que não tenho problema com a cor e gosto dela.

AGLAIA: E os títulos das obras?

LUIZ AQUILA: Os títulos das obras, é porque eu sou contemporâneo dos poetas de mimeógrafo e eu exerço meus poemas-piadas que não tem nada a ver com a minha obra. É só a inveja do Eudoro, do Cacaso.

AGLAIA: O Frederico tem uma frase que diz: “Áquila foi o herói de sua própria pintura”.

FREDERICO: São frases que a gente usa para fechar os artigos. Tem a ver com tudo o que eu disse antes, no sentido heróico como defensor, mas em última análise a relação dele é mesmo com a pintura dele. Ele, de certa maneira, era o tema da pintura dele. Há uma luta externa que foi percebida pelos outros, que claro, ele levantou suas bandeiras, mas fundamentalmente era uma luta dele, pessoal, com a tela, etc. Mas eu queria retomar essa questão do contato do Áquila com o Carvão e a Djanira. Eu tenho uma atração muito grande pela Djanira e gostaria um dia de escrever um livro sobre ela, no sentido de mostrar que há um certo equívoco ao encarar a Djanira por um ângulo primitivista. Ela tem uma fase inicial, reflexo de sua condição de uma mulher do povo, e cresceu exatamente com muito espaço no auto-didatismo dela, mas chegou a uma qualidade de pintura, muito bem construída no tocante a cor. Ela chegou praticamente a uma abstração, e desempenhou papel semelhante ao de Volpi. Talvez não tenha sido recuperada por uma possível arte construtiva brasileira, como foi o Volpi, mas ela tem momentos de uma exuberância e de qualidade indiscutível. E inversamente, o Carvão saiu de uma coisa extremamente lírica e poética, e acho que a cor dele inclusive recupera um pouco, e aí é que seria a questão, uma certa brasilidade. Não ostensiva, folclórica, mas no sentido de que ela tem um pouco da poesia, de situações, de vidas, de terras por onde passou, terras brasileiras que são muitas e vastas. Eu acho que houve esse entendimento e indiscutivelmente o Áquila captou também muito dessa... ele liberou esse lado Carvão e em parte reprimiu o lado Goeldi, mais expressionista.

LUIZ AQUILA: O Carvão tem uma qualidade carioca e lírica, como o Mignone, Tom Jobim, João Gilberto. Como pessoa, a doçura e amor que o trabalho dele manifesta cada vez mais, tem uma coisa meio lunar, que voa, esvoaçante, sem terra.

FREDERICO: A pipa foi um tema na obra dele.

LUIZ AQUILA: Já o meu trabalho ainda tem uma dose de dificuldade que se manifesta pela estranheza. O Carvão já saiu dessa.

FREDERICO: Mas são 30 anos de diferença. Mas então, por aí há uma preocupação que é mais tática do que, digamos, real ou verdadeira ou profunda, eu acho que há um lado brasileiro no trabalho do Áquila. O pai de Áquila é realmente um erudito, um homem que tinha um trânsito com o meio cultural brasileiro, com personalidades estrangeiras. O Áquila nasceu num meio de arte, ele é um pintor culto, não é um pintor instintivo.Mas exatamente o que sabe é dosar essa cultura com a emoção.Nesse sentido, indiretamente, os contemporâneos de seu pai, que forma contemporâneos dele apesar da diferença de idade, tinham um lado não europeizado, mas eles sabiam absorver a cultura francesa, essa pintura refinada, essa pintura de tonalidades, de uma qualidade de cor e de composição que se manifesta no Brasil através de todo o modernismo dos anos 40, através das curvas. No fundo quando ele fala no Jobim, acabasse misturando outra vez, porque há uma sofisticação na música popular de Jobim que não é uma coisa puramente espontânea. Então eu acho que a qualidade do Áquila é de ter esta base erudita, de uma pintura bem composta ainda que não pareça, pela energia, mas que ao mesmo tempo desemboca numa qualidade brasileira que não deve ser menosprezada nem por nós, nem por ele. Ele não quer afirmar essa causa no sentido de uma pintura nacionalista, panfletariamente brasileira. Assim como a gente vê um lado francês em Matisse, a gente vê um lado brasileiro dele. Não que ele queira fazer disso um discurso, mas eu acho que existe e é uma qualidade.

AGLAIA: A Lélia Coelho Frota chegou a falar na aerofotogrametria da sua pintura...

LUIZ AQUILA: A Lélia queria se referir a trabalhos mais antigos, de 10 a 15 anos atrás. Eu acho que ela se referia mais como se fosse fotografada do alto, numa perspectiva aérea. Mas eu nunca soube direito como se dá isso com meu trabalho, a relação da geometria com a forma orgânica que é uma coisa que se dá o tempo todo na natureza à medida que a natureza é toda interferida pela cultura. Quando você viaja de avião, você está o tempo todo vendo os meandros de um rio, depois a estrada. Por aí é mais uma analogia da própria Lélia do que uma coisa minha. Eu acho que o meu trabalho é abstrato há muito tempo. Há muito tempo que eu não me refiro a elementos, que eu não tenho um referencial externo ao quadro. Até mesmo que eu possa usar por analogia e que meu olho brinque com essas coisas, eu não tenho intenção de me referir.

FREDERICO: Aí é uma questão que de certa maneira independe de você, de mim ou de coisas como a seguinte. Você sempre me dizia que arte e natureza são harmonias paralelas, não se trata de imitar a natureza pela arte mas alcançar na arte uma estrutura e uma harmonia que é semelhante a natureza. E num certo momento você poderia dizer que a natureza se torna artística e a pintura e a arte se tornam naturais. A pintura cria a sua paisagem como a natureza cria a sua pintura. Realmente a visão do alto é uma visão quase que pictórica dos campos organizados. Assim como a natureza, se você mergulha de cabeça nela, quase um processo cinestésico, você começa a recriar ali numa natureza que não é uma natureza de fora mais que é de certa maneira uma natureza, o quadro cria uma vida, é uma coisa orgânica.

AGLAIA: O processo pode ser inverso, Frederico?

FREDERICO: Não, são simultâneos. O Áquila falou disso, que ele costuma, num certo momento, largar a pintura e deixa-la fazer serão. È como se ele percebesse num certo momento que a pintura precisa descansar um pouco dele: “vou me afastar um pouco desse chato e vou buscar a minha...” então ela começa a se organizar independente dele, no outro dia de manhã, é como se ela impusesse a ele uma reorientação daquilo que ele fez. Ela ganha uma autonomia. Isso parece uma liberdade poética mas acho que de fato as coisas ocorrem assim.

LUIZ AQUILA: É a história da onça e do bode.

FREDERICO: É, certos dias você se levanta com certas sensações como se o corpo se antecipasse a você, como se ele estivesse pensando antes de você racionalizar. Só depois é que você vai entender.

AGLAIA: Uma premonição.

FREDERICO: Às vezes a gente diz alguma coisa sem saber muito bem o que é e só depois é que conseguimos pensar e compreender aquilo. A pintura age assim. De certa maneira a pintura se impõe ao artista em certos momentos. Há um diálogo, uma relação amorosa.

AGLAIA: Conta a história do bode.

LUIZ AQUILA: A onça decidiu fazer uma casa e o bode também, ao mesmo tempo. Então o bode resolveu fazer um roçado , e a onça chegou no dia seguinte no lugar em que ela tinha escolhido e disse:”puxa, Deus está me ajudando”. E começou, fez o pau-a-pique e no dia seguinte chegou, que já não lembro se foi o bode ou a onça, ou outro personagem e disse “puxa, Deus me ajudou, colocou os paus”. E Deus foi ajudando, ajudando, até que os dois se encontraram e foi um grande impasse, e eu já não me lembro como acaba. Mas a pintura tem isso, a pintura anda sozinha, elementos que você lança ao quadro, depois os deixa se encontrarem e às vezes criam momentos de impasse também. Aí entra novamente o pintor, independente da pintura, tentando resolver esses impasses até que a pintura te encontra de novo e aí o caminho retoma.

AGLAIA: Luiz Áquila, como é que você começa um quadro. Você escolhe o formato?

LUIZ AQUILA: Desde que eu pude, que eu tive recursos para isso, eu tenho muitas telas, mas muitas mesmo, eu tenho em torno de 60 a 100 telas prontas em casa.

FREDERICO: Todas elas preparadas?

LUIZ AQUILA: Preparadas. Com um fundo, brancas, esticadas, prontas pra pintar. E a minha postura é estar sempre pintando, tenho sempre quadro em andamento, nunca deixo o atelier sem um quadro em andamento. O Bacon dizia que o terrível da tela em branco é porque na verdade não existe rela em branco, ela está impregnada de formas anteriores ou de estereótipos seus, quer dizer, primeiro você tem que demolir isso tudo e fazer a tela ficar branca. E o terrível e assustador pro Bacon e pra mim também, é fazer a tela ficar branca, porque ela não está branca. E o que eu faço é manter quadros em andamento, ter sempre quadro andando.

AGLAIA: Desmagnetizar aquele branco.

LUIZ AQUILA: Me apropriar dele. E fazendo serão. Há um mês que eu não pinto todo dia, mas tem quadros pintando sozinhos, quer dizer, o gerente saiu de férias e a pintura continua lá, andando, tem pincel, o atelier está com copo sujo no chão, não está um atelier arrumadinho, fechado.

AGLAIA: E porque a técnica do acrílico sobre tela?

LUIZ AQUILA: Porque o acrílico, desde que eu tomei essa coisa mais ágil, rápida e jazzística do improviso na pintura, o acrílico seca rápido.

AGLAIA: Não tem cheiro?

LUIZ AQUILA: Eu adoro cheiro de óleo, é a coisa que eu mais sinto falta.

AGLAIA: Um veneninho?

LUIZ AQUILA: è o cheiro de óleo de linhaça, eu acho muito bom. Mas o acrílico tem essa coisa de você vencer as gerações do seu quadro, elas se dão muito rapidamente, então você pode cobrir uma superfície, começar, retomar, pintar. Essa agilidade do acrílico me agrada muito.

AGLAIA: E tem tudo a ver com a sua pintura, ritmo.

LUIZ AQUILA: è quando mudou o ritmo, o tempo da pintura eu mudei o material.

AGLAIA: A Celeida Tostes fez aqui algumas referências a você: “Uma pessoa da maior importância que constrói a vida com amor. Um homem de seu tempo, um artista educador da maior importância. E faz um colorismo valente nessa exposição da Montessanti”. O que é que você tem a dizer sobre isso?

LUIZ AQUILA: A Celeida e eu, nós formamos uma parceria tipo Alvarenga e Ranchinho, então sempre que eu posso procuro estar perto da Celeida e trabalhar com ela. O trabalho que ela estava fazendo na Escola de Belas Artes é uma coisa inacreditável, em seis meses ela transformou um depósito de móveis velhos num atelier da cerâmica, incrível, e é essa coisa vital da Celeida, essa capacidade de mobilizar as pessoas, que eu admiro.

FREDERICO: O Aquila tem uma qualidade rara nos artistas, eu entendo isso, eles às vezes têm dificuldade de verbalizar.

AGLAIA: Ou até preguiça, talvez.

FREDERICO: É, preguiça. Há sempre a desculpa de que ”a obra fala por mim”, que realmente pode ser não querer se comprometer ou enfim, resguardar-se mesmo. Mas o Aquila tem essa qualidade que é de pensar, refletir e criar ao mesmo tempo. Coisas que a gente encontra num artista como Klee, como Kandinsky, que é essa capacidade de ao mesmo tempo produzir o fato e refletir sobre esse fato. Eu acho uma qualidade importante do Aquila, essa dinâmica de estar continuamente pensando sobre aquilo que produz. È isso que eu disse, ele não é um artista instintivo, espontâneo, ele ganhou uma velocidade, uma capacidade de produzir cores, de produzir formas, mas isso não é um espontaneísmo, não é uma coisa solta sem sentido. Ao mesmo tempo em que ele alcançou esta dinâmica, ele é capaz de pensar, ele é capaz de produzir, digamos assim, também teorias não só sobre o trabalho dele mas sobre a arte brasileira, etc.

AGLAIA: Não é só isso, ele é um pintor, diretor da EAV como é que ele consegue conciliar isso tudo em harmonia, tudo rodando ao mesmo tempo. Professor também!

FREDERICO: Mas, aliás, como se diz, se você quer que alguém faça alguma coisa, procure uma pessoa ocupada. Então você tem que estar cada vez mais ocupado porque aí os fatos todos se relacionam.

AGLAIA: Áquila, nós conversávamos sobre o artista, como produtor da obra, feitor da obra e vendedor da obra...

LUIZ AQUILA: O Brasil é um país que ainda não tem uma estrutura tão sedimentada que você possa ser especialista, E é o país que está descobrindo a pólvora. Você ser um pintor no Brasil é uma novidade, apesar da pintura acontecer desde os tempos das cavernas. Isso acontece também com intelectuais. Eu tenho um amigo que era um intelectual marxista muito disciplinado no seu pensamento. Um dia ele descobriu NIetzche e ficou tão envolvido que Nietzche passou a ser uma descoberta pessoal dele, como se ele tivesse descoberto esse Nietzche num escombro e lido o primeiro livro do Nietzche. E começou a dar aulas e falar de Nietzche: o Nietzche era dele. No Brasil a gente tem isso, a gente se apropria do que faz e leva adiante isso. Se você precisa de recursos verbais para criar um vínculo com o outro, não em relação à sua obra que não é verbal, deve-se usar. Como a gente deve usar bem os recursos que o mercado dá para você vincular a sua obra. Vincular e veicular. A gente não pode ser um artista aristocrata no Brasil, que fique e me casa finamente pintando enquanto um suposto público vem buscar. Esse público não existe, esse público nós fazemos.

AGLAIA: E a sua experiência na Escola de Artes Visuais do parque Lage?

LUIZ AQUILA: O Parque Lage sobrevive pelas coincidências de grupos que conseguem apoio da comunidade artística carioca, isso todos, artistas plásticos, críticos, intelectuais, há um apoio muito grande, principalmente nos momentos de crise se manifesta na hora.

AGLAIA: E o único espaço de ensino de Arte livre e aberto do Rio no momento.

LUIZ AQUILA: No Brasil. Quer dizer, o único espaço que você tem recursos importantes, como recursos humanos, professores da escola de altíssimo padrão disponíveis para amadores, iniciantes, seja quem for, uma senhora, por exemplo, que está numa crise, que é muito comum na escola, pessoas que casaram os filhos e estão num vazio existencial procuram algo pra fazer e acabam se “desdondocando” em convívio com a escola. E uma senhora dessas pode ter o Carvão como professor, o Dionísio Del Santo, e ao mesmo tempo é importante o convívio com aquela coisa muito tenaz ou com uma visão limitada e especialista do jovem artista que, muito vaidoso, chega lá e pretende ser um grande indivíduo, e encontra essa senhora que podia ser a avó dele, trabalhando ao lado dele como colega de turma, e os dois vão tomar cafezinho na cantina. Então, essa troca que tem na escola, pela informalidade é que é muito boa, mas ela só é boa porque você tem professores esplêndidos.

AGLAIA: Durante a sua vida não só você trabalhou com cenários, publicações de livros, desenhos, aquarelas, poesias e criou um símbolo para a Aliança Francesa de Brasília. É uma coisa que estrapola...

LUIZ AQUILA: Eu queria conseguir uma bolsa de estudos, eu queria ir para França, então eu faria qualquer coisa, símbolos, guardanapos o que fosse pra poder viajar. Isso foi em 65 um período horroroso e eu soube nessa época que a Aliança Francesa de Brasília tinha uma bolsa pro exterior. Eles estavam terminando o prédio e eu fiz símbolos, foz papel, coisas que eu nunca fiz direito, nunca fui um profissional disso mas aquele contexto de Brasília na época era o melhor que eu tinha, que dava pra fazer.

AGLAIA: Luiz Áquila, o que você diria para um jovem artista?

LUIZ AQUILA: Para ele continuar o processo dele pessoal, sem criar uma ansiedade em relação ao produto. Viver o cotidiano, a arte se dá no dia-a-dia.

FREDERICO: Eu esperava uma frase cruel dele do tipo...

LUIZ AQUILA: Envelheçam!

FREDERICO: Não, é porque virou um critério de valor, ser jovem é bom. Isso é uma verdade, você ter a juventude como um processo criador tudo bem, mas não é realmente uma questão de idade. É preciso questionar esse jovem. Pode ser essa senhora que está vivendo a sua crise, como ele disse, desdondocou, e que de repente ela abra uma possibilidade muito grande na vida dela, então acho que é uma prisão que a gente precisa discutir de tempos em tempos. Ser jovem em si não é nenhum valor.

AGLAIA: Pode ser um jovem velho.

FREDERICO: Exatamente. No Brasil nós temos uns velhinhos inteligentes muito interessantes.

LUIZ AQUILA: E essa coisa do jovem, eu acho que começou na minha geração, quando o jovem começou a entrar no mercado e começou toda uma modificação. O que acontece é que a gente vê contemporâneos meus que ficaram jovens históricos, pessoas que não têm 50 anos e sempre se referem a coisas que fizeram neste período da juventude entre 20 e 30 anos.

AGLAIA: Pararam no tempo e no espaço.

FREDERICO: Porque aí é uma outra questão, é que há uma geração entre os jovens que são promovidos, sobretudo pela mídia e os velhos que são recuperados historicamente. No Brasil ou você trabalha com os jovens ou você recupera os modernistas, pré-modernistas. Há uma geração que está aí no meio, de artistas como Gastão Manoel Henrique, Newton Cavalcanti, que são artistas que têm qualidade, mas ninguém presta atenção. O Loio-Pérsio fez uma exposição lindíssima recentemente ele é um pintor de primeira qualidade.


Fragmentos selecionados pela equipe de editoração do Museu de Arte Moderna do Rio Janeiro para o catálogo da Exposição “Luiz Aquila-Quadros Grandes” 1992


Entrevista concedida por Luiz Áquila e Frederico Morais ao programa Aglaia Peltier na Rádio MEC. Rio de Janeiro, 1990.


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